A salsicha estava correndo atrás do cachorro?

Henrique Gomes
3 min readJul 1, 2021

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Um hábito que retomei com a quarentena foi de olhar mais vezes para a programação televisiva. Sem sair de casa, apesar das diversas opções nos serviços de streaming, zapear os canais voltou a ser uma diversão — parando para comentar o que é interessante e rir de algumas bizarrices.

Eu sempre gostei da TV aberta brasileira. Não pela qualidade, mas porque acho que ela absorve muito bem o que nossa sociedade deseja/consome e repassa em um retrato fiel, tanto no sentido do entretenimento quanto no conteúdo. E sempre muito cuidadosa com a produção — muito mais que a maioria dos países do mundo — tanto que esse, principalmente pelas telenovelas, tornou-se um produto de exportação.

A primeira interação com audiência que eu tenho memória…nunca fui sorteado :(

Mas tem um ponto que tenho observado e que vale comentar: as redes sociais migraram para dentro da programação. Não são somente participações pontuais, apresentando seus bordões cômicos, como acontecia anteriormente em programas como Pânico ou Eliana. Também não é somente um recado de uma via só, mandando um "beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você", como já acontecia desde o tempo das cartinhas para a Xuxa. O ponto é que hoje a audiência vem pautando grande parte dos programas. Aqui, na região de Ribeirão Preto, o Jornal Regional da Globo (EPTV aqui, no caso), um dos principais informativos das cidades ao redor, tem participação do público em grande parte de seus quadros. Seja apontando problemas na cidade (que geram cobranças ao vivo para as autoridades), enviando vídeos com receitas ou opiniões e até levantando questões que direcionam a conversa sobre a previsão do tempo, o telespectador está sendo mais ouvido do que nunca. Isso também acontece em programas nacionais, como o futebol, onde vai além da escolha da audiência, tendo o Cartola como objeto de debate em transmissões e mesas redondas. Até em reality show de culinária se valeram da popularidade de um TikToker para incrementar a atração. Isso sem falar do formato mais dinâmico, que precisaria de um olhar mais técnico para analisar.

Parece que a programação virou um grande Facebook!

Narração gourmet no Mestre do Sabor.

Em contrapartida, as plataformas online tem aumentado seu investimento em anúncios dentro dos grandes veículos da mídia tradicional. É muito mais comum ver anúncio do Facebook ou Google nos intervalos. O WhatsApp com placa nos estádios e até o app Kwai(!) no backdrop das entrevistas de jogadores de futebol. E eles vem aumentando a presença na mídia. Com destaque para o TikTok, que inclusive vem investindo até em merchandising no programa do Luciano Huck. Loucura, loucura, loucura!

Vale aqui um parênteses. Os serviços de streaming como Netflix, Amazon Prime e até o YouTube, que teoricamente tomariam a audiência para si e matariam a TV aberta, também se tornaram anunciantes mais frequentes nesses veículos.

O Gerson foi embora, mas o Kwai tá ali!

Não é uma questão de defesa da mídia televisiva, mas não tenho como não refletir ao ver um veículo tornando-se anunciante. Durante muito tempo os veículos tradicionais, como TV e rádio por exemplo, vêm questionando o "roubo" da verba publicitária por parte dos veículos online — que agora anunciam justamente com quem os questionava. Será que a contestação fazia sentido? Eu concordo que para aumentar a base, o share, é preciso aparecer e que esse é o grande caminho para o crescimento de marca (isso é tema para um post específico), porém buscar no outro o serviço que você também oferece é no mínimo estranho. E levanta questionamentos que se fortalecem há algum tempo: será que as mídias online entregam mesmo? Será que são suficientemente confiáveis para sustentar uma campanha? Nem a própria?

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